A história antiga e de épocas posteriores retém nomes de pessoas cuja produção artística, intelectual, etc., foi notável nas últimas idades da vida. Já Cícero mencionava no seu De senectute o caso de Sófocles, que compôs tragédias na mais alta velhice. Parecendo que descuidava por causa dessa ocupação a administração dos bens familiares, os filhos pediram a sua interdição. Diz-se que o velho narrou então aos juízes a tragédia que acabava de escrever, Édipo em Colona, perguntando-lhes se lhes parecia que estava fora do seu juízo. Foi absolvido.
Goethe terminou o seu monumental Fausto aos oitenta e dois anos, Lamarck concluiu a sua História natural também depois dos oitenta, Cervantes terminou o D. Quixote aos sessenta e oito.
Entre os pintores, Ticiano trabalhou quase ininterruptamente com grande criatividade até os noventa e nove anos: um dos seus quadros mais famosos, A batalha de Lepanto, foi pintado aos noventa e oito. E Michelangelo traçou o plano da grande cúpula de São Pedro aos setenta e oito.
Entre os compositores, Verdi compôs Otelo aos setenta e quatro anos e Falstaff aos oitenta; Haendel escreveu aos setenta e dois anos o seu Triunfo do tempo e Rossini a sua Missa quando beirava os noventa.
Se não há dúvida de que, ao chegar a certa idade, o ser humano tende a perder a memória mais recente e a "viver de recordações", isso acontece quando desiste de levar a cabo uma atividade, quando deixa de interessar-se pelas coisas, quando não faz o esforço de situar-se no dia de hoje e encará-lo de olhos postos no futuro. Quantas vezes não ouvi afirmações como esta, de lábios de pessoas de quase oitenta anos:
- Eu não vivo no passado. Tenho lembranças, como sempre as tive, mas vivo o dia de hoje. E a morte não me assusta.
Isso mesmo queria dizer a minha tia - a única irmã viva de meu pai, que mora num lar de senhoras idosas nos arredores de Barcelona -, quando me confiou:
- Só peço a Deus que me conserve isto pelo tempo que me reste de vida. Aqui sinto-me feliz, vou à Missa, dou longos passeios, organizo números cômicos que representamos para grupos de crianças, e respiro o ar puro e o aroma dos pinheiros e das plantas. Que paz!
Um espírito simples, que precisamente na sua velhice vive a fase mais criativa da sua vida. Talvez tivesse nascido para isso, para dar alegria e fazer rir os outros, mas só agora viera a descobrir essa vocação que as circunstâncias lhe tinham ocultado.
Não lhe perguntemos pela sua infância e juventude, enquanto a acompanhamos num passeio pelos "seus" laranjais e fileiras de beringelas; será sempre parca em palavras. Mas peçamos-lhe que nos mostre as suas fotografias mais recentes: disfarçada de galã, com bigode, chapéu-coco e bengala; vestida de noiva, envolvida num lençol que se arrasta pelo chão a modo de cauda; ou encarnando uma menina travessa, de bochechas coloridas, um grande laço de papel na cabeça e uma corda de pular na mão...
- No fim, as freirinhas choravam de tanto rir - comentará.
E leremos alegria em cada uma das suas tensas rugas, no seu rosto redondo e no seu olhar.
"Nos olhos dos jovens, há claridade; nos dos velhos, luz", escreveu Jouvert. "Aprender a Envelhecer", Clara Janés - Luz María de la Fuente, Editora Quadrante, São Paulo, 1994, pp.17-21.