Desacelerar
Crônicas de um brasileiro que vive na Europa
03/07/2007
A primeira vez que fui para lá, em 90, um dos colegas suecos me pegava no hotel toda manhã. Era setembro, frio, nevasca... Chegávamos cedo na Volvo e ele estacionava o carro bem longe da porta de entrada (são 2.000 funcionários de carro). No primeiro dia não disse nada, no segundo, no terceiro... Depois, com um pouco mais de intimidade, numa manhã, perguntei:
"Você tem lugar demarcado para estacionar aqui? Notei que chegamos cedo, o estacionamento vazio e você deixa o carro lá no final."
Ele me respondeu, simples assim:
"É que chegamos cedo, então temos tempo de caminhar - quem chegar mais tarde já vai estar atrasado, melhor que fique mais perto da porta. Você não acha?"
Olha a minha cara! Ainda bem que tive esta na primeira. Deu para rever bastante os meus conceitos.
Há um grande movimento na Europa hoje, chamado Slow Food.
A Slow Food International Association - cujo símbolo é um caracol, tem sua base na Itália (o site www.slowfood.com , é muito interessante. Veja-o!). O que o movimento Slow Food prega é que as pessoas devem comer e beber devagar, saboreando os alimentos, "curtindo" seu preparo, no convívio com a família, com amigos, sem pressa e com qualidade.
A idéia é a de se contrapor ao espírito do Fast Food e o que ele representa como estilo de vida em que o americano endeusificou.
A surpresa, porém, é que esse movimento do Slow Food está servindo de base para um movimento mais amplo chamado Slow Europe como salientou a revista Business Week numa edição européia.
A base de tudo está no questionamento da "pressa" e da "loucura" gerada pela globalização, pelo apelo à "quantidade do ter" em contraposição à qualidade de vida ou à "qualidade do ser". Segundo a Business Week, os trabalhadores franceses, embora trabalhem menos horas (35 horas por semana) são mais produtivos que seus colegas americanos ou ingleses. E os alemães, que em muitas empresas instituíram uma semana de 28,8 horas de trabalho, viram sua produtividade crescer nada menos que 20%.
Essa chamada "slow atitude" está chamando a atenção até dos americanos, apologistas do "Fast" (rápido) e do "Do it now" (faça já).
Portanto, essa "atitude sem-pressa" não significa fazer menos, nem ter menor produtividade. Significa, sim, fazer as coisas e trabalhar com mais "qualidade" e "produtividade" com maior perfeição, atenção aos detalhes e com menos "stress".
Significa retomar os valores da família, dos amigos, do tempo livre, do lazer, das pequenas comunidades, do "local", presente e concreto em contraposição ao "global" - indefinido e anônimo. Significa a retomada dos valores essenciais do ser humano, dos pequenos prazeres do cotidiano, da simplicidade de viver e conviver e até da religião e da fé. Significa um ambiente de trabalho menos coercitivo, mais alegre, mais "leve" e, portanto, mais produtivo onde seres humanos, felizes, fazem com prazer, o que sabem fazer de melhor.
Gostaria que você pensasse um pouco sobre isso...
"Já vai para 16 anos que estou aqui na Volvo, uma empresa sueca. Trabalhar com eles é uma convivência, no mínimo, interessante. Qualquer projeto aqui demora 2 anos para se concretizar, mesmo que a idéia seja brilhante e simples. É regra.
Então, nos processos globais, nós (brasileiros, americanos, australianos, asiáticos) ficamos aflitos por resultados imediatos, uma ansiedade generalizada. Porém, nosso senso de urgência não surte qualquer efeito neste prazo. Os suecos discutem, discutem, fazem "n" reuniões, ponderações. E trabalham num esquema bem mais "slow down". O pior é constatar que, no final, acaba sempre dando certo no tempo deles com a maturidade da tecnologia e da necessidade: bem pouco se perde aqui.
E vejo assim:
1. O país é do tamanho de São Paulo
2. O país tem 2 milhões de habitantes
3. Sua maior cidade, Estocolmo, tem 500.000 habitantes (compare com Curitiba, que tem 2 milhões)
4. Empresas de capital sueco: Volvo, Scania, Ericsson, Electrolux, ABB, Nokia, Nobel Biocare... Nada mal, não?
5. Para ter uma idéia, a Volvo fabrica os motores propulsores para os foguetes da NASA.
Digo para os demais, nestes nossos grupos globais: os suecos podem estar errados, mas são eles que pagam muitos dos nossos salários. Entretanto, vale salientar que não conheço um povo, como povo mesmo, que tenha mais cultura coletiva do que eles.
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