Grupo Pedras Vivas - Terceira Idade da Igreja Batista Itacuruçá

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quarto de badulaques (II)

Quarto de badulaques (II)  - Rubem Alves

- VELHICE: Descobri que eu estava velho há muitos anos, num metrô de São Paulo. Foi assim: o vagão estava lotado e não havia assento vago. Não liguei. Eu era jovem, pernas e braços fortes, podia fazer a viagem de pé, segurando um balaústre. Aí comecei a observar metodicamente o rosto das pessoas, coisa que gosto muito de fazer. Os rostos revelam mundo. Muitas crônicas me apareceram no ato de observar um rosto. Uma vez, tomando o meu café da manhã num hotel em Uberaba, fui comovido pelo rosto de um garçom já meio velho, magro, calvo, daqueles que não cortam o cabelo de um lado, para com seus fios compridos tentar disfarçar (inutilmente) a calva lisa. Aquele rosto me comoveu. E, quase que num segundo, apareceu na minha imaginação a trama de um conto. É sobre um garçom que trabalhava num hotel onde pilotos e aeromoças pernoitavam. Ele se apaixona por uma delas e a sua vida passa a girar em torno dos dias em que sua escala de vôos fazia com que aquela que ele amava secretamente dormisse no hotel. O garçom, servindo o café da manhã, dela se aproximava e respirava fundo para sentir o seu perfume. Até saiu pelas lojas de perfume, à procura daquele... Terminado o café ele recolhia copos e xícaras. Aí, furtivamente, na cozinha, quando ninguém estava olhando, os restinhos que haviam sobrado... Era como se ele a estivesse beijando. Mas, voltando ao metrô. De repente meus olhos encontraram uma moça que também olhava para mim, com um discreto sorriso nos lábios. Foi um momento de suspensão romântica: eu olhando para ela, ela olhando para mim. Aquele poderia ser o início de uma estória de amor por acontecer. Muitas estórias de amor se iniciam em estações. Mas então, naquele momento de suspensão romântica, ela fez um gesto delicado: sorrindo, ela se levantou e me ofereceu o lugar... Entendi então o sentido do seu sorriso: olhando para mim ela se lembrava do seu avô, velhinho tão querido... Compreendi que eu estava velho. Foi um momento de revelação. Desde então o meu pensamento volta sempre para a velhice.

- No dia do meu aniversário escrevi uma crônica com o título “Fiquei velho...“ Eu estava feliz quando escrevi. Mas minha crônica provocou cartas de protesto. Muitos velhos não gostam de ser chamados de “velhos“. Querem ser chamados de “idosos“. Não gostaram do título da crônica. Pediram que eu trocasse o “velho“ por “idoso“. Mas a palavra “idoso“ é boba. Não se presta para a poesia. “Idoso“ é palavra que a gente encontra em guichês de supermercado e banco: fila dos idosos, atendimento preferencial. Recuso-me a ser definido por supermercados e bancos. “Velho“, ao contrário, é palavra poética, literária. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao seu livro o título de “O idoso e o mar“? Eu não compraria. E o poema das árvores, do Olavo Bilac: “Veja essas velhas árvores“... Que tal “Veja essas árvores idosas...“ É ridículo. Eu jamais diria de uma casa que ela é “idosa“. A palavra “idosa“ só diz que faz muitos anos que a casa foi construída. Mas a palavra “velha“ nos transporta para o mundo da fantasia. O velho sobradão do meu avô, onde vivi minha infância. Meus livros velhos, folhas soltas de tanto uso. Estão assim porque viveram muito, fiz amor com eles, tão frequentemente e tantas vezes, que se gastaram. O Chico tem uma linda canção com o título: “O velho“. É triste. Se o título fosse “O idoso” seria ridícula. Já imaginaram? O casal vai fazer bodas de ouro: cabeças brancas. Eles se abraçam, se beijam, e ele diz para ela, carinhosamente: “Minha idosa“ - ao que ela responde com um sorriso: “Meu idoso...“ Não é nada disso. É “minha velha“ e “meu velho“...

- A metáfora mais bonita que conheço para a velhice é o crepúsculo, o pôr-do-sol. O crepúsculo é lindo. Faz pensar. No crepúsculo tomamos consciência da rapidez do tempo. As cores rapidamente passam do azul para o verde, para o amarelo, para o abóbora, para o vermelho, para o roxo, para o negro... No crepúsculo sentimos o tempo fluir rapidamente. Por isso muitas pessoas têm medo dele. A famosa “happy-hour“ foi inventada como terapia para a tristeza do crepúsculo. No crepúsculo nos tornamos poetas. Muitos poetas escreveram sobre ele: Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Browning, Wordsworth.

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